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Curitiba, 25 de abril de 2024.
 
Docência e Maternidade – A dura rotina das professoras que precisam conciliar filhos e sala de aula

Em 1887, Rita Lobato Velho Lopes se torna a primeira mulher a se graduar no Brasil na Faculdade de Medicina da Bahia, embora tenha iniciado seus estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mais de um século depois e as mulheres são maioria no ensino superior brasileiro. Dados do Censo da Educação Superior de 2016, última edição do levantamento, revelam que as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação. No Censo da Educação Superior de 2006, as mulheres representavam 56,4% das matrículas em cursos de graduação. Já na docência, os homens ainda são maioria. Dos 384.094 docentes da Educação Superior em exercício, 45,5% são mulheres.

Ao meio universitário, além do protagonismo, as mulheres trazem também demandas próprias, muitas delas relacionadas ao fenômeno da maternidade. A batalha diária pelo cumprimento das inúmeras tarefas ligadas aos filhos e à família se soma ao universo da graduação e da pós-graduação, sejam elas estudantes, ou professoras. Dentre as necessidades das mães que estão inseridas nas universidades brasileiras estão às relacionadas a amamentação.

Entretanto, o meio universitário foi pensado e planejado a partir de uma arquitetura endocentrica, porque o número de homens nas universidades era muito superior do que o das mulheres ao longo da história. Mesmo hoje, com a maior quantidade de matriculas do ensino superior sendo feita por mulheres, e quase metade da docência ser exercida por elas, faculdades e universidades não têm estrutura para atender as milhares de mães que estudam e trabalham no ensino superior. Não há creches, não existem espaços para que crianças acompanhem as mães na graduação e pós-graduação, não há locais adequados para amamentação ou para a extração do leite.

Se por um lado existem alunas com necessidade de amamentar, e que lutam para conciliar maternidade e sala de aula, por outro também temos professoras que se desdobram para harmonizar filhos e trabalho. O fato é que, o problema da maternidade associado à docência está relacionado ao modo como a condição da mulher é velada nas universidades. “Costuma-se pensar que o modus operandi da mulher é igual ao do homem porque a condição da mulher, e nesse caso específico de professoras, requer ser amplamente discutida a partir das vozes dessas mulheres e profissionais, a partir de suas experiências vividas, legitimando tal discussão e, consequentemente, dando sustentação a decisões que venham a atender suas reais necessidades”, como lembra uma professora universitária.

A gravidez e a maternidade não são apenas fenômenos biológicos, mas, também, fenômenos do contexto cultural, social e afetivo. Ou seja, ainda que a gravidez ocorra dentro do corpo da mulher, as responsabilidades e os significados são construídos dentro do âmbito social em que a gestante está inserida. A universidade, por sua vez, tem papel de extrema importância no percurso da busca pela ascensão pessoal e profissional da mulher, tornando-se um suporte para o alcance do objetivo.

Partindo do pressuposto de que a universidade é um local de busca por emancipação social das mulheres, deve-se levar em consideração a importância da análise dos fatores que dificultam a permanência na instituição e, logo, a emancipação desses indivíduos, um local de busca por emancipação social, que precisa incluir as mulheres em suas reais condições. Não é à toa que a falta de estrutura para as mães está entre os fatores que fazem muitas alunas e também professoras abandonarem o espaço universitário.

Estudantes abandonam a graduação, adiando o sonho do diploma universitário porque não tem com quem deixar os filhos, não podem, não querem e nem deveriam deixar porque precisam amamentar, o que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde e um direito da mãe. Segundo portaria do Ministério da Educação do ano de 2018 todas as mães lactantes têm o direito à amamentação assegurado em todas as instituições do sistema federal de ensino, independentemente da existência de locais, equipamentos ou instalações reservadas exclusivamente para esse fim. Mas na prática não é isso que acontece, ainda que as instituições privadas de ensino superior abriguem boa parte das mulheres que cursam graduação hoje no Brasil.

No universo que envolve maternidade e docência a realidade é a mesma. De acordo com o artigo 396 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, a empregada tem direito, durante sua jornada, a dois descansos especiais de 30 minutos cada um, para amamentar seu filho até que ele complete seis meses de idade. Mesmo que a legislação seja cumprida (e sabemos que na prática muitas vezes não é), não existe uma estrutura adequada que permita às mães trabalharem e, ao mesmo tempo, manterem de maneira efetiva e necessária os laços afetivos com seus filhos nos primeiros meses de vida destes.  Parece que mães e filhos se tornaram um problema social.

Uma professora universitária e, recentemente, mãe, alerta que “a quantidade, intensidade e complexidade das demandas às professoras universitárias as coloca em uma situação de divisão entre vida pessoal e vida profissional. Quando associadas à maternidade, torna o trabalho penoso e a divisão se faz entre o intenso e complexo cuidado necessário aos filhos e as altas e variadas exigências do trabalho. Em uma questão de tempo, essa situação impacta o desempenho profissional, a vida social, os relacionamentos de forma geral, as atividades de cuidado para consigo, chegando a comprometer a saúde. Quantas professoras apresentam quadros de estresse associados ao trabalho? Quantas, por tal situação de ‘divisão’, apresentam quadros de depressão? Como está a qualidade de vida dessas professoras? E daquelas que se dividem entre a maternidade e a docência?

Evidentemente que quebrar o silêncio que marca e agrava essa situação vivida por professoras nas universidades privadas é muito difícil, pois há sempre a consciência de um risco que, mais uma vez, alimenta o referido sentimento da divisão.

Quando meu filho nasceu eu decidi amamentar durante o máximo deste tempo que eu conseguisse dentro do recomendado pela OMS, relevando que é um direito nosso e que muitas pesquisas comprovam os diversos benefícios da amamentação. No meu caso, quando voltei da licença maternidade ao trabalho, estava com o coração na mão por ter deixado um bebê de cinco meses aos cuidados de um terceiro, sendo alimentado por uma colher dosadora para evitar o desmame (cujo treinamento teve que começar bem antes e eu assistindo em vez de poder amamentar), sabendo que uma criança nessa idade nem diferencia ela da mãe. Meu corpo e o corpo do meu filho formavam uma estrutura, então, rompida tão precocemente. Esse sentimento já era cruel o bastante, mas a falta de estrutura no ambiente de trabalho agravava a situação, ainda que houvesse solidariedade por parte de colegas mediante iniciativas pessoais. Não havia um local e um tempo adequado para extrair o leite e armazena-lo até o meu retorno para casa. Se não tiver tempo, descanso, a produção do leite vai sendo diminuída, o que já ocorre em alguma medida porque não há troca afetiva com o bebê; e espaço adequado porque é preciso tranquilidade e o favorecimento da lembrança do contato com filho, sem interrupções, pela mesma razão da produção do leite. Afinal, não é difícil entender que, por milhares de anos, o nosso corpo se adaptou a produzir leite no contato direto com o filho. Em tese, pela CLT, eu teria meia hora para amamentar ou extrair o leite em cada um dos períodos ou a possibilidade de negociar a minha saída antecipada em uma hora, mas acabei sabendo que professoras universitárias não teriam esse direito. Vamos somando tudo isso em uma situação em que está em jogo o desejo, a necessidade e o direito de uma mãe a amamentar o seu filho. Por conta disso muitas mães professoras desmamam as crianças bem precocemente. Fica o desafio de saber se desmamaram porque realmente escolheram ou porque nem tiveram a condição de tentar amamentar e assim perceber a maravilha que é essa experiência. Vivemos em uma cultura ainda tão machista que muitas mulheres não sabem que amamentar é um direito e que traz muitos benefícios tanto para os bebês quanto para elas mesmas. Sabendo e contando com condições adequadas, poderiam escolher. Sem isso, como pode se tratar de uma escolha? Parece mais uma condenação. Quando as mães contam com uma estrutura favorável e mais saudável ao seu filho e a si mesma, sem se sentirem divididas conforme falamos ou, mais gravemente, sem terem que abrir mão da vida profissional, aí estamos em um cenário onde o machismo não está, um cenário onde os direitos são assegurados tendo em vista a saúde de modo amplo. A maternidade me trouxe uma lucidez muito grande nesse sentido e fortaleceu a consciência de que essa divisão entre vida profissional e vida pessoal é que precisa ser superada em uma luta diária e coletiva, sob a condição da saúde, caso contrário, a divisão deixa de ser um sentimento para se tornar a escolha por um dos lados e a ruptura de direitos. Falo de aspectos de uma situação vivida por mim, ainda sem considerar as próximas fases da criança e dessa relação mãe-filho. Também poderíamos questionar as condições nos casos de adoção, questionar as condições da maternidade quando se é sozinha (o) nesse papel, seja mãe ou pai, quando assumida por casais homoafetivos; poderíamos também interrogar as condições da paternidade, muitas vezes, privada culturalmente da vivência da afetividade em toda sua riqueza, pelas mesmas razões. Discutir a maternidade pode ser um caminho à libertação da sociedade dos grilhões do preconceito e da resultante violência. Lembremos que a universidade é o lugar apropriado a essa discussão, portanto, deve ser também uma estrutura exemplar”.

O relato mostra uma das faces enfrentadas por muitas mulheres que precisam tentar conciliar maternidade e trabalho nas universidades. Profissionais que deram e dão contribuições extremamente importantes no meio científico, que têm papel fundamental na formação e na especialização de profissionais que atuam nas mais diversas áreas do conhecimento. É preciso um olhar mais humano por parte dos empregadores para com estas profissionais. Um olhar que abrace mãe e filhos, que entenda o quão importante e necessário é estreitar os laços afetivos entre ambos.

O SINPES deseja um feliz dia das mães.

Sinpes, assim.