Tornou-se redundante falar em crise no Brasil. De golpe que destitui uma presidente democraticamente eleita a reformas que aniquilam direitos dos trabalhadores e diminuem a renda da população mais pobre, as crises parecem não findar nunca. Entretanto, quando a saúde de milhões está em risco e a esse quadro se aliam desemprego recorde, falta de políticas públicas que atendam de maneira eficiente os mais pobres e os interesses nefastos do chefe da nação, aí sim torna-se ainda mais imperioso discutir a situação dos trabalhadores e trabalhadoras.
Há quase dois meses, a crise econômica agravada pela pandemia do Covid-19 faz saltar aos olhos o tratamento vil dispensado aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros por parte do governo de ultra direita que assumiu o poder no início de 2019. Os trabalhadores e trabalhadoras estão na linha de frente dos impactos econômicos, sociais e de saúde causados pelo Coronavírus e a pandemia não é a motriz desse fenômeno, ela apenas semeou o caos em um terreno que há anos vinha sendo adubado. Primeiro porque ficou evidente que a informalidade – hoje na casa dos 40 milhões de pessoas – é sinônimo de subemprego, instabilidade e renda mínima. Em segundo lugar porque o desemprego, resultado do enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, crime cometido pela reforma trabalhista incondicionalmente abraçada pelo então deputado Jair Bolsonaro, é fantasma que assombra a população e, por fim, porque a falta de políticas públicas e de investimentos do Estado, além do negacionismo da ciência e das recomendações da Organização Mundial de Saúde coloca a classe trabalhadora na corda bamba: ou opta por receber menos, garantir o emprego e colocar sua vida em risco, ou perde o trabalho e ameaça a segurança econômica e alimentar de sua família.
“Vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes confere o status de mortos-vivos”, diz o filósofo camaronês Achille Mbembe. “E daí? Lamento, sou Messias mas não faço milagre”, diz o presidente Jair Bolsonaro no dia que o Brasil atinge a marca de 5 mil mortos pelo Coronavírus. Ambas as falas se ligam à Necropolítica. A primeira é definição teórica do professor africano cunhador do termo, a segunda é sentença de morte do representante máximo da nação.
Jair Bolsonaro, ao assumir o posto de presidente, teve como uma de suas primeiras e mais simbólicas ações dar fim ao Ministério do Trabalho. De lá pra cá os ataques aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras foram intensos. Agora, durante a pandemia, a Necropolítica de Bolsonaro se reflete em medidas provisórias como a 936 que institui regras que autorizam as empresas a reduzir expedientes e salários temporariamente no setor privado formal.
De acordo com essa MP, os trabalhadores e trabalhadoras estão submetidos a duas tristes opções: ou perdem salário e garantem emprego, mas colocam a saúde em risco; ou perdem o emprego e salário garantindo a sua e a saúde de seus familiares.
Charles Alcântara, presidente da Fenafisco publicou um artigo no início de abril no qual propõe uma saída para a crise sem que os trabalhadores e trabalhadoras paguem a maior parte da conta:
“O Brasil possui 206 bilionários que, juntos, acumulam uma fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão. Esses 206 bilionários pagam proporcionalmente menos impostos que a classe média e os pobres. Se o país criasse um imposto de apenas 3% por ano sobre essas fortunas que remontam R$ 1,2 trilhão, seria possível arrecadar R$ 36 bilhões anuais, valor superior ao orçamento de 1 ano de todo o programa Bolsa-Família. A soma de toda a riqueza das famílias brasileiras é de cerca de R$ 16 trilhões de reais, estando a quase metade de toda essa riqueza – ou seja, R$ 8 trilhões – nas mãos de apenas 1 % das famílias. Se o país taxasse o patrimônio trilionário dessas famílias em apenas 1%, seria possível arrecadar R$ 80 bilhões, o que equivale ao valor de toda a receita estimada em 2020 para o Estado de Minas Gerais, o segundo mais populoso do Brasil, com mais de 20 milhões de habitantes.
Façam as contas: R$ 36 bilhões cobrados sobre a renda dos 206 bilionários (+) R$ 80 bilhões cobrados sobre o patrimônio do 1% das famílias mais ricas (=) R$ 116 bilhões. Esses R$ 116 bilhões a mais nos cofres públicos sequer representam sacrifício para esse punhado de bilionários, mas equivale a praticamente todo o orçamento federal da saúde”.
A saída existe. Entretanto, a Necropolítica de Bolsonaro atribui o ônus da crise para os trabalhadores e trabalhadoras. O auxílio de R$ 600 proposto pelo Congresso e sancionado pelo presidente (a proposta de Bolsonaro era de R$ 200) e o seguro-desemprego mitigado para os que tiverem seus salários reduzidos ou suprimidos são, até agora, o passo máximo no enfrentamento da crise.
No entanto, nem somente de desamparo vivem os trabalhadores e trabalhadoras. De um lado a Necropolítica Bolsonarista mina renda, trabalho e saúde de milhões. Do outro sindicatos e entidades de classe se desdobram para minimizar a falta de atuação estatal e para diminuir os prejuízos à classe trabalhadora.
Desde o golpe de 2016 os sindicatos sofrem ataques que visam enfraquece-los e, consequentemente, calar a voz dos trabalhadores e trabalhadoras. A reforma trabalhista, promovida pelo governo ilegítimo de Michel Temer, investiu contra a base de sustentação financeira dos sindicatos promovendo o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. O calvário dos sindicatos tem tido muitas estações desde então, a última delas, e não menos penosa, é a não obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações entre empregadores e empregados definida na MP 936 e abalizada pelo STF.
Mesmo sofrendo constantes ataques, sindicatos têm usado as ferramentas disponíveis para preservar a saúde e o emprego dos trabalhadores e trabalhadoras e fazer valer seus direitos. Acordos, Convenções Coletivas, intervenções junto ao Ministério Público do Trabalho, ações judiciais e posicionamentos firmes na negativa de celebrar acordos coletivos que reduzam injustificadamente a renda dos trabalhadores (na faixa exígua em que a MP 936 exige a celebração de acordos coletivos para reduções superiores a 25%), entre outros, têm sido bases da luta sindical neste período pandêmico.
O Sinpes, por sua vez, tem denunciado as investidas das instituições de ensino superior contra os docentes e seus salários e resistido a elas sempre que a instituição de ensino não lograr demonstrar a real necessidade das reduções salariais propostas.
Porém, nossa atuação vai além da publicização destes ataques e da resistência contra acordos coletivos indecorosos. No início de abril, depois de denunciar que o Centro Universitário Unibrasil havia diminuído o salário de seus professores, o sindicato oficiou a universidade e denunciou a ilegalidade da medida perante o Ministério Público do Trabalho. Como resultado dessas ações e da solidariedade obtida junto aos acadêmicos através de seus Centros Acadêmicos, o Unibrasil retrocedeu e devolveu os valores descontados indevidamente.
Recebemos diversas denúncias desde o início da pandemia. Nelas, estão alertas sobre falta de estrutura para que professores trabalhem remotamente, tentativas de diminuição de carga horária e salário, termos aditivos em contratos de trabalho abusivo que ferem a Convenção Coletiva e outros ataques aos direitos básicos dos docentes. Nenhuma denúncia ficou sem resposta e nenhuma ficará, atuando o Sinpes nas redes sociais e no seu sítio eletrônico como caixa de ressonância contra a ganância patronal.
Nem poderia ser diferente nestes tempos sombrios de pandemia e Necropolítica. Afinal, são 30 anos de luta para garantir a dignidade dos professores de ensino superior, preservar e ampliar seus direitos.
Que esse 1º de maio seja mais uma oportunidade de reflexão para que as pessoas compreendam que a ampliação dos caminhos existentes para a construção de uma sociedade mais justa passa pela luta coletiva.
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